Estou com livro novo na praça, Raging Twenties: Great Power Politics Meets Techno-Feudalism. Quem não use Amazon, encontra aqui um miniguia para encomendar e comprar o livro.
A jornada de um livro até seus leitores é sempre processo idiossincrático, misterioso e fascinante. Permitam-me aqui uma apresentação, extraída da introdução do livro, para delinear a cena.
Os Furiosos anos 20s começaram com um assassinato: um míssil matou o general Soleimani no aeroporto de Bagdá, dia 3 de janeiro. Quase simultaneamente, aquela letalidade geopolítica foi amplificada, quando um vírus testou seus mísseis microscópicos contra toda a humanidade-alvo.

O Triunfo da Morte, afresco de artista desconhecido, Palazzo Abbatelli, Palermo.
Dali em diante, tem sido como se o tempo tivesse parado – ou implodido. Não se consegue nem começar a imaginar as consequências da ruptura antropológica causada pelo SARS-CoV-2.
Ao longo do processo, a linguagem passou por metástase, que fez surgir uma cesta de novos conceitos. Circuit breaker. Biossegurança. Circuitos de retroalimentação negativa. Estado de exceção. Necropolítica. Neobrutalismo. Fascismo híbrido. Novo paradigma viral.
Essa nova terminologia acompanha o delineamento de um novo regime de produção, de fato um modo híbrido de produção: turbo-capitalismo rearranjado como capitalismo rentista 2.0, no qual as gigantes do Vale do Silício assumem o lugar dos estados e do Estado. É a opção “tecnofeudal”, como definida pelo economista Cédric Durand.[1]
Exauridos e intoxicados por informação que opera como dominatrix, temos sido expostos a novo mapa de Dystopia – embalado como algum “neonormal” tomado por dissonância de cognição, paradigma de biossegurança, inevitabilidade do trabalho à distância, distanciamento entre os cidadãos como programa político, infovigilância e trans-humanismo triunfante.
Ao choque econômico em curso foi sobreposto um choque sanitário – pelo qual a financeirização sempre tem precedência sobre a economia real.
Mas então se ofereceu centelha de futuro mais róseo, rumo a “capitalismo mais inclusivo”, sob a forma de Great Reset [‘grande reinício’], concebido por minúscula oligarquia plutocrática devidamente autodesignada “Salvadora”.
Todos esses temas movimentam-se ao longo de 25 pequenos capítulos desse livro, interagindo com o tabuleiro geopolítico mais amplo.
O SARS-CoV-2 acelerou o que já era movimento em direção à Ásia, do centro do poder mundial.
Desde a 2ª Guerra mundial, grande parte do planeta vivia como engrenagens de um sistema tributário, com o hegemon constantemente transferindo para si mesmo riqueza e influência – mediante o que o analista Ray McGovern descreve como SS (security state), Estado de Segurança, que dá vida à vontade do Complexo MICIMATT (Militar-Industrial-Congressional-Inteligência-Mídia-Academia-Think-Tanks).
Esse sistema-mundo está irrecuperavelmente evanescendo – especialmente por efeito de interpolações da parceria estratégica Rússia-China. E aí está o outro tema sempre presente desse livro.
Como proposta para escapar de nosso show de excessiva hiper-realidade, o livro não dá receitas, mas trilhas: configurações onde não há grandes planos, mas múltiplas vias de entrada e múltiplas possibilidades.
As trilhas são costuradas à narrativa de uma possivelmente emergente nova configuração, ancoradas a um ensaio que leva o título de Eurasia, The Hegemon and the Three Sovereigns [literalmente “Eurásia, o Hegemon e os Três Soberanos”].
Num diálogo corrente, terão Michel Foucault conversando com Lao Tzu, Marcus Aurelius conversando com Vladimir Putin, filosofia que conversa com geoeconomia – e sempre no esforço para diluir a interação tóxica de Neo-Grande-Depressão com variações de uma Guerra Fria 2.0.
Com exceção do ensaio de ancoragem, trata-se de uma série de colunas, organizadas cronologicamente, publicadas originalmente por Asia Times e também por Consortium News/Washington D.C., e por Strategic Culture/Moscou, amplamente republicadas e traduzidas por todo o Sul Global.

Vêm de um nômade global. Desde meados da década dos 1990s tenho vivido e trabalhado entre (quase sempre) Oriente e Ocidente. Com exceção dos dois primeiros meses de 2020, passei a maior parte dos Furiosos Anos 20s na Ásia, em terra budista.
Assim, vocês sentirão que as palavras têm inescapável odor budista, mas em alguns aspectos até mais taoísta e confucionista. Na Ásia aprende-se que o Tao transcende tudo, ao prover serenidade. Há muito que podemos aprender do humanismo taoísta, sem necessidade de metafísica.
2021 pode ser até mais feroz que 2020. Nem por isso estaríamos condenados a nos perder numa selva de espelhos, se se sabe que, como escreve Pound:
a tawdry cheapness / shall reign throughout our days.[2]
[aprox. “um baixo preço charlatão / reinará ao longo de nossos dias”]
O “segredo” oculto desse livro pode ser na verdade um anseio – de que saibamos mobilizar nossa força interior e escolher uma trilha taoísta, para montar na baleia.
Novo livro de Pepe Escobar, Raging Twenties: Great Power Politics Meets Techno-Feudalism. Pepe está em Telegram.
NTs
* Livro ainda sem edição em português. Tradução literal do título pode ser, dentre outras possibilidades: “Furiosos Anos 20: Política das grandes potências encontra o tecnofeudalismo”.
